Sou do tipo que empresta roupa, sapato, bolsa, acessório, eletrodoméstico, celular e xícara de açúcar. Tudo isso sem problemas, sem preocupação, sem prazo para devolução e sem o menor sentimento de posse. Mas basta alguém me pedir um livro emprestado para eu ficar cheia de brotoejas. Invento mil dificuldades e se o corajoso vence todas, finalizo ameaçando-o das penas do inferno e do meu ódio eterno se não devolver – e rápido. Ou seja, é mais vantajoso comprar do que ter que me aturar perguntando pelo livro, se já leu, se gostou e – se as respostas não forem satisfatórias – quando o terei de volta. Antes de ser injustamente acusada de egoísmo, lembro que gosto de reler e nunca sei quando vou querer exatamente aquele livro.
Mas até chegar a essa fase mais despachada e sem vergonha eu penei muito por livros que emprestei e nunca voltaram. Tenho até hoje um livro infanto-juvenil que emprestei a uma amiga e ela me devolveu com várias páginas assinadas com o nome dela! E cara de pau não tem limite: outro livro que emprestei a um querido amigo nunca voltou porque ele jurava que o exemplar era dele e não meu. Cansei de discutir e o risquei do caderninho. Brincadeirinha, somos amigos até hoje, mas como não sou desmemoriada, nunca mais ele conseguiu outro empréstimo. Outro exemplo, bem mais triste, foi um livro raro que emprestei a uma amiga, que por sua vez emprestou a outra. As duas brigaram, nunca mais se falaram e quem ficou chorando em alemão fui eu.
No meu primeiro ano de faculdade tive uma professora de sociologia e fiquei horrorizadamente encantada ao ver a sua estante, abarrotada de livros, com um pequeno cartaz que dizia exatamente “Não empresto livros, discos e fitas. Não adianta insistir.” E antes que alguém pergunte, sim, era o tempo do disco de vinil e das fitas cassetes, o tempo passa, uia!
Enfim, não fui iluminada assim tão rápido após ver a estante da professora, mas fui gradualmente perdendo a vergonha (vergonha deveria sentir quem pega emprestado e não devolve) e se não chego ao ponto de negar, também não facilito nadinha. Sei que é feio, mas o sentimento exagerado de posse é o único dos meus defeitos que não me constrange. Já os demais... Falo sobre isso outro hora.
A imagem é do livro de Telma Guimarães Castro Andrade.