segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Estantes inéditas e invernos diferentes


Quando eu estava na faculdade, trabalhava durante o dia e frequentava aulas à noite. Eram dois ônibus de casa para o trabalho, outros dois do trabalho para a faculdade e mais dois (ufa) para voltar para casa perto da meia noite. Era de três horas a quatro horas por dia no transporte público, e sentada só quando dava sorte. Como eu era jovem e tinha uma energia que até hoje não sei explicar, raramente aproveitava aquele tempo para dormir. Tampouco me dava ao trabalho de estudar, passava com notas até razoáveis porque sempre fui uma otimista e devia ter um anjo da guarda de olho. Li muito naquela época, até mesmo em pé, e ainda hoje consigo ler sem ficar enjoada – como tanta gente reclama – dentro de um veículo em movimento.
Sem uma moeda sobrando para bancar um analgésico para dor de cabeça se tivesse uma, descobri – absolutamente maravilhada – a biblioteca da universidade. Ficava horas perdida pelos corredores escolhendo o que levar (naquela época era possível pegar dois livros por semana; será que mudou?) e eu raramente precisava renovar o prazo. Devolvia e escolhia outros. Foi ali que descobri autores de quem só ouvira falar até então e que nem sonhava em poder comprar. Naquela época amadureci, viajei muito sem pegar um avião, fiquei mais articulada, melhorei o vocabulário e assustei possíveis pretendentes com a minha “inteligência” e opiniões inflexíveis sobre tudo. Daqueles anos tenho lembranças que quase consigo tocar, como os invernos gelados, chá muito quente, livros muito velhos e livrarias inacessíveis, pois meu salário mal permitia manter corpo e alma juntos. Mas tenho saudade daquele tempo em que um universo inteirinho me esperava para eu desbravar. E abarrotadas estantes inéditas me aguardavam. Hoje, que eu compro mais livros do que consigo dar conta, até os invernos são diferentes.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

É meu!


Sou do tipo que empresta roupa, sapato, bolsa, acessório, eletrodoméstico, celular e xícara de açúcar. Tudo isso sem problemas, sem preocupação, sem prazo para devolução e sem o menor sentimento de posse. Mas basta alguém me pedir um livro emprestado para eu ficar cheia de brotoejas. Invento mil dificuldades e se o corajoso vence todas, finalizo ameaçando-o das penas do inferno e do meu ódio eterno se não devolver – e rápido. Ou seja, é mais vantajoso comprar do que ter que me aturar perguntando pelo livro, se já leu, se gostou e – se as respostas não forem satisfatórias – quando o terei de volta. Antes de ser injustamente acusada de egoísmo, lembro que gosto de reler e nunca sei quando vou querer exatamente aquele livro.
Mas até chegar a essa fase mais despachada e sem vergonha eu penei muito por livros que emprestei e nunca voltaram. Tenho até hoje um livro infanto-juvenil que emprestei a uma amiga e ela me devolveu com várias páginas assinadas com o nome dela! E cara de pau não tem limite: outro livro que emprestei a um querido amigo nunca voltou porque ele jurava que o exemplar era dele e não meu. Cansei de discutir e o risquei do caderninho. Brincadeirinha, somos amigos até hoje, mas como não sou desmemoriada, nunca mais ele conseguiu outro empréstimo. Outro exemplo, bem mais triste, foi um livro raro que emprestei a uma amiga, que por sua vez emprestou a outra. As duas brigaram, nunca mais se falaram e quem ficou chorando em alemão fui eu.
No meu primeiro ano de faculdade tive uma professora de sociologia e fiquei horrorizadamente encantada ao ver a sua estante, abarrotada de livros, com um pequeno cartaz que dizia exatamente “Não empresto livros, discos e fitas. Não adianta insistir.” E antes que alguém pergunte, sim, era o tempo do disco de vinil e das fitas cassetes, o tempo passa, uia!
Enfim, não fui iluminada assim tão rápido após ver a estante da professora, mas fui gradualmente perdendo a vergonha (vergonha deveria sentir quem pega emprestado e não devolve) e se não chego ao ponto de negar, também não facilito nadinha. Sei que é feio, mas o sentimento exagerado de posse é o único dos meus defeitos que não me constrange. Já os demais... Falo sobre isso outro hora.

A imagem é do livro de Telma Guimarães Castro Andrade.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ensina-me a ler

Meu pai não chegou a completar o primeiro grau na escola. Mas lia Platão. Lia também Harper Lee, Orígenes Lessa, Malba Tahan, Érico Veríssimo e tantos outros livros que eu cresci vendo espalhados pela casa e também recolhia para decifrar. Meu pai tinha a caligrafia mais linda eu já vi, mas escrevia pouco. Nos vários anos em que morei longe dele recebi apenas uma carta (onde está? perdeu-se no tempo, na época não a valorizei, daria qualquer coisa para reencontrá-la.). Talvez por ter lido tanto na vida, ele se comunicava com extraordinária correção, sem erros de concordância. Na casa dos meus pais, mesmo com pouco dinheiro, sempre se pagou pelo menos uma assinatura de jornal. E mesmo tendo estudado pouco tempo, ou talvez até por isso mesmo, meu pai valorizava como poucas pessoas o conhecimento e a educação. Cresci ouvindo-o dizer que não estava aberta a discussão para a possibilidade de eu e meu irmão frequentarmos ou não uma faculdade. Ou iríamos ou iríamos, ponto final. E fomos. Ele teve o orgulho de assistir a colação de grau dos dois filhos.
Após o primeiro derrame que o acometeu, ele descobriu que não conseguia mais ler. Via as letras, mas não conseguia transformá-las em palavras. Lembro até hoje que ele e eu nos olhamos com absoluto horror no quarto de hospital, após ele ficar longo tempo olhando para uma página de revista que continha apenas um anúncio com letras enormes, erguer os olhos e menear a cabeça negativamente para mim.
Felizmente, com muita persistência, ele foi retomando e conseguiu voltar a ler, embora nunca mais com a mesma facilidade. Assinei várias revistas, comprei resmas de livrinhos de palavras cruzadas e procurei leituras mais fáceis. E ele foi se ajeitando como podia, lendo a mesma página várias vezes, até conseguir reter o sentido das palavras e a totalidade dos textos. Foi uma (mais uma) lição que o meu pai me deixou e hoje, 11 anos após ele ter nos deixado, ainda choro quando falo nele e o recordo com intensidade quando leio algo que sei que ele gostaria. Mas uma certeza eu tenho: ele só morrerá de verdade dentro de mim se algum dia eu deixar de ler.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Coincidência ou obsessão


Há alguns anos, por puro acaso e sem qualquer caso pensado, comecei a colecionar miniaturas de máquinas de escrever. Incoerente como sempre, aliás, sempre achei coleção coisa para criar poeira. Mas isso sou eu. Enfim... Em uma loja de miudezas em cidade pequena perto de Florianópolis, me deparei com uma miniatura relativamente tosca e que, removida a parte de cima, se transformava em um cinzeiro. Kitsch no último, e como não era muito barata e eu não fazia ideia do que fazer com ela, hesitei durante algum tempo. Vários minutos, na verdade, não fiquei na loja tanto tempo assim. Na dúvida comprei, sem imaginar que aquele tipo de posse se transformaria em uma febre. Estranhamente, pouco tempo depois caiu outra miniatura em minhas mãos e em seguida outra. Daí em diante foi o caos. Como eu já tinha três, cheguei à conclusão de que aquilo já era uma coleção e cumpria aumentá-la. Admito que eu poderia ter escolhido algo mais fácil, pois é dificílimo encontrar algo novo. Hoje tenho exatas 13 miniaturas diferentes e muitas repetições (tais como figurinhas de álbum) de todo o tipo, que vão das modestas como ímãs de geladeira e apontadores de lápis, a uma preciosidade lapidada em cristal encontrada e presenteada pela minha sócia/irmã e que (ela não diz, mas eu sei) custou uma pequena fortuna. Mas uma coisa precisa ser dita: quase me desmancho de felicidade quando encontro algo novo. O garimpo, tal como nas pedras preciosas, é difícil e incerto, mas quando aparece alguma coisa, é de raridade absoluta. Praticamente todas as pessoas que convivem comigo sabem da minha coleção e prestam atenção quando viajam, mas o “produto” é realmente raro e como tal precisa ser valorizado.
Finalizando, pois já estou me estendendo demais: sem planejamento, minha única coleção é de algo que tem tudo – ou quase tudo – a ver com livros. Coincidência ou obsessão, ainda vou decidir.

Em tempo: a foto está ruim mesmo, bati com o celular. Tenho muitos livros, mas nenhuma máquina fotográfica...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Uma confissão

Preciso confessar: não tenho o hábito de ler revistas. Assino uma revista semanal para a minha mãe e quando passo uns dias na casa dela pego edições anteriores e dou uma folheada nas matérias mais fofoqueiras, admito. No mais, compro a Casa Claudia e Casa e Jardim todos os meses, mas aí é para “ver as figurinhas” das casas que eu gostaria de ter e – lógico – as casas que eu não teria nem de graça. Recebo a revista da Net todos os meses, mas só consulto a programação, mal olho para as matérias. Aliás, vou cancelar; a revista, não a Net. Pensando bem, é estranho para quem gosta tanto de ler livros passar batido pelas revistas. Não é que eu não goste, mas acho-as, na maioria, repetitivas ou muito mulherzinhas para o meu gosto. E definitivamente não estou interessada na vida dos artistas. No cabeleireiro eu prefiro bater papo com as manicures a ler Caras ou Contigo. E ontem, na sala de espera da dermatologista, numa espera que se estendia demais, após olhar meus e-mails preferi, entre tantas opções, o livro “Mulheres alteradas 2” e rir de novo com o óbvio. A verdade é que não é que eu não goste de revistas, nada disso, mas é que as acho menos importantes/apaixonantes/interessantes que os livros. Também são mais urgentes, ficam “velhas” logo e os livros têm toda a paciência do mundo. Já o meu tempo, esse é curto.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Livros no caminhão de mudança


Estou prestes a me mudar para outro apartamento que, embora seja maior e a também a casa dos meus sonhos, não terá um escritório como tenho hoje para colocar as estantes de livros. Até aí tudo bem, acho perfeito também ter os livros na sala. Acho que dão identidade a uma casa, aquecem e vestem um ambiente, deixando-o, inclusive, com uma personalidade que poucos tipos de decoração dariam. À parte o fato de eu estar empolgadíssima com a mudança, a verdade é que vão me faltar estantes na casa nova, pois nestes oito anos em morei neste apartamento onde estou hoje, chegaram muitos livros e eu invadi espaços até na cozinha. Como está fora de cogitação fazer uma seleção de livros para me desfazer, a verdade é que vou ter que meter (ainda mais) a mão no bolso, estantes para livros são caras, pois precisam suportar um peso grande. Vai ver se as estantes baratinhas aguentam uma fileira de livros sem vergar as prateleiras. O negócio é ser criativo. Li que Jaqueline Kennedy Onassis tinha pilhas de livros espalhados pela sala, até no chão. Acho chiquérrimo, mas ela era ela e morava em frente ao Central Park, em Nova Iorque. Não dá para competir. Enquanto o caminhão de mudanças não estaciona aqui embaixo, folheio compulsivamente revistas de decoração e passo 70% do fim de semana em frente ao computador procurando idéias diferentes e economicamente viáveis. Com um detalhe: não aceito falta de criatividade e aí fica – lógico – bem difícil...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Menina lendo...


Aprendi a ler com mais ou menos cinco anos. Mas antes disso eu já escrevia meu nome e também palavras como papai, mamãe e vovó, numa clara demonstração de espírito de família por parte da minha mãe, que me treinava obsessivamente, como se eu fosse participar de algum concurso. A primeira palavra que lembro de ter lido foi “Rio”, o nome do cinema que ficava na esquina da minha casa. A segunda palavra foi “Cine”, que – é óbvio – precedia o “Rio” na grande placa no alto do prédio. Sempre que eu passava por ali, repetia as duas palavras como um papagaio, ao mesmo tempo em que insistia com a minha mãe para que me ensinasse a ler mais. Por que nossa memória guarda essas coisas? Lembro de treinar lendo o jornal que chegava todos os dias em casa, das letras garrafais e meio manchadas de tinta preta nos títulos. Eu poderia ser poética e dizer que desde aquela época eu já queria ser jornalista, mas não é verdade. Essa foi uma decisão tomada praticamente na hora de me inscrever para o vestibular. E foi um susto quando fui aprovada, embora eu tenha quase morrido de orgulho. Passei a infância e a adolescência lendo muito, mas sempre mudando a escolha da profissão. O engraçado é que quando passei no vestibular, a reação das pessoas que me conheciam na cidadezinha em que cresci foi mais ou menos essa: “só podia!”. Creio que só eu não sabia até então que passaria a ganhar a vida através das palavras. Mas isso eu já acho bonito.

Em tempo: a imagem que ilustra o post é uma tela de Jean-Honoré.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Cheiros, baratas e outras loucuras


Gosto do cheio dos livros. E não tem nada a ver com exclusivamente livro novo, não precisa estar quente da gráfica para mexer com a minha imaginação. Para mim, cada tipo de papel tem um cheiro peculiar e é incrível como me transporta em viagens espetaculares pela memória. Houve apenas uma exceção até hoje: lembro com exatidão de um livro que ganhei na adolescência “As aventuras do barão de Munchausen”, que tinha um cheiro horroroso, impossível de explicar. As páginas eram em papel couchê com alta gramatura, ou seja, não era qualquer porcaria em termos de qualidade. Achei o livro chato e até hoje (nunca mais o vi na vida) e não sei dizer se era mesmo ruim ou o problema era o cheiro. Provavelmente um pouco de cada.
A verdade é que cheiro é uma coisa muito particular. Uma querida amiga tem uma bolsa nova que adora e não consegue usar, diz que tem cheiro de barata. Só não digo que ela está louca porque não tenho o nariz (ou o cérebro) dela. Mas gosto até do cheiro de livros velhos, fico pensando na história de cada um. Os chatos podem até me dizer que estão cheios de ácaros, mas e daí? Cada um com a loucura que merece.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Uma compulsão... há piores...

Tenho várias compulsões. Algumas “normais” e outras nem tanto. Mas hoje contei exatos 51 livros distribuídos em cinco pilhas, só no meu quarto, esperando a vez para serem lidos. Na sala deve ter mais uns 10 na mesma situação, fiquei com preguiça de ir até lá para contar. Mas continuo comprando, é mais forte do que eu. A felicidade que sinto quando descubro algo que me encanta, surpreende ou acende meu instinto de posse supera qualquer lembrança de ser provável que passe um longo tempo ante que eu o abra. E sigo feito um zumbi para o caixa, abro a carteira e pago, vagamente surpresa pela necessidade que sinto de levar novos livros para casa. Na última vez que isso aconteceu – cerca de um mês atrás – comprei quatro. Menos mal que estes me interessaram tanto que os passei na frente. Hoje, por exemplo, estou lendo “A turma que não escrevia direito”, de Marc Weingarten, obra sobre a revolução do novo jornalismo e onde o autor revela como surgiu uma nova maneira de fazer reportagem através de Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. Thompson, Joan Didion, John Sack, Michael Herr, entre outros. Estou só no começo, mas “viajando”.