terça-feira, 27 de setembro de 2011

Também aceito.......

Às vezes me pego pensando na importância que a leitura tem na minha vida e se isso é decorrente do fato de eu ter estudado muito e hoje trabalhar de forma estreitamente ligada às letras. Chego a me perguntar se a minha educação em casa tivesse sido outra, ou se os meus caminhos profissionais tivessem enveredado por outra área, eu teria desenvolvido e alimentado essa paixão que há muito se tornou um vício. Nada mais do que caraminholas, provavelmente jamais chegarei a uma conclusão e creio mesmo que isso nem mesmo é importante.
Todo esse nariz de cera é para contar que andando hoje pela rua, apressada como sempre e atrasada para uma reunião de trabalho, passei por uma parte do centro da cidade a que raramente vou. Já sem fôlego pelo meu quase correr, bati os olhos em uma pessoa sentada em um degrau que contorna um prédio comercial. Com as pernas estendidas, creio que até aproveitando o sol da manhã após tanta chuva, vi que, além de cabelos grisalhos, as barbas compridas eram brancas, o que me impediria de avaliar melhor a idade do homem – certamente mais de 60 anos – se eu tivesse me detido mais nos detalhes. Não reparei se ele estava vendendo algo ou pedindo esmolas simplesmente, mas já me afastando, vi um pequeno cartaz pregado por ele na parede ao lado onde estava escorado: “aceito livros de literatura”.
Se coração saísse do lugar, o meu certamente teria caído aos meus pés naquele momento. Sou uma sentimental, raramente nego esmola a quem me pede diretamente e – errada ou não, provavelmente sim – sinto-me incapaz de recusar uns trocados que podem tanto ser trocados por comida, passagem de volta para casa ou sabe-se lá o quê. Se o que dou é utilizado para coisas que eu não aprovo, prefiro pensar que dei de bom coração e com a mais firme intenção de ajudar (alguns meses atrás, um homem chorou na minha frente quando, condoída pela história que me contava, dei-lhe dez reais).
Enfim, hoje, correndo pelo centro rumo a um compromisso para o qual estava roxa de tão atrasada, não pude deixar de fantasiar sobre aquele homem que aceitava “livros de literatura” e gosto de pensar que ele, ali sentado naquela esquina, pedia algo para lhe aquecer a alma. E que eu, sempre tão coração mole na hora da esmola, não podia lhe dar naquele momento. Sou capaz de voltar ali amanhã e deixar alguns livros que, espero, façam-lhe companhia. Se ele os vender, sem problemas, só fico sonhando que os leia.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Livros e testamentos

A última vez que vi meu avô com vida foi cerca de uma semana antes dele morrer, dois dias antes dos meus 15 anos. Eu já devia saber que sou péssima em despedidas, pois tivemos uma briga. Ele disse que não me emprestaria mais livros porque eu era muito descuidada com eles. Lembro das palavras: “cada livro que você leva, volta um farrapo”, no seu fortíssimo sotaque alemão. Puxei a mão que ele segurava, emburrada com o que classifiquei imediatamente como injustiça. Hoje, ao ler as notas neste blog, vejo que ele estava coberto de razão, sou descuidada mesmo. E isso me lembra um texto que vi outro dia na internet, falando mais ou menos sobre como reagiríamos se soubéssemos quando estamos vendo alguém pela última vez. Certamente eu falaria com ele com um tom muito diferente, no mínimo saindo da defensiva. Algum tempo depois, quando a casa dos meus avós foi “desmanchada”, minha mãe não quis que eu ficasse com os livros. Não sei porque, mas não discuti ou argumentei em contrário. Hoje, em retrospectiva, acho que foi como se eu desse razão ao meu avô pelo meu desleixo e castiguei-me sozinha. Mas pensando bem, acho que ele adoraria que alguém que amasse os livros tanto quanto ele acolhesse os exemplares que deixou. Nunca soube – e nem quis saber para não doer ainda mais – o que foi feito daquele móvel com portas de vidro, atulhado de livros que sequer cheguei a pegar. A imagem daquela estante vem à minha mente cada vez que me deparo com algo parecido. Ainda terei um móvel daqueles na minha casa.
Agora fico pensando: o que acontecerá com os meus, quando eu me for? Minha afilhada fala sempre – meio a sério, meio brincando – que deseja herdar meus livros. Acho que preciso fazer um testamento...

sábado, 10 de setembro de 2011

Um papo com o meu autor favorito


Até hoje não encontrei justificativa válida para o meu apego a determinados livros. Tenho verdadeiros campeões de releituras. E quando falo em campeão de releituras, falo em vinte, trinta vezes, que peguei o livro novamente. Talvez algum psicólogo tenha uma boa explicação para isso, mas alguns eu chego a saber trechos de cor. Certa vez, confrontada pela dúvida de um amigo, recitei todo o primeiro parágrafo de “Um certo capitão Rodrigo”, que faz parte da trilogia “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo, favorito absoluto da minha estante e que peguei pela primeira vez na adolescência, totalmente fora de ordem, e que somente li completo, na sequência, lá pelos 18 anos. Nasci na mesma cidade que Érico – Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul – e na adolescência morei próximo à casa em que ele nasceu e cresceu, e da casa dos seus avós, ao lado, transformada em uma modesta biblioteca, a qual muito frequentei, descobrindo ali autores citados por Érico Veríssimo em seus livros.

Falo tudo isso porque há alguns dias, numa pausa necessária (necessária porque eu acho, não porque efetivamente seja) nos livros à espera, parei em frente à estante procurando uma releitura e me vi pegando o primeiro tomo de “O retrato”, a segunda parte da trilogia “O tempo e o vento”. Deste também sei trechos de cor, o que não diminui o encanto e o brilho da leitura. Muito manuseados, os livros têm páginas soltas, sobrecapa em papel pardo e plástico, acusando os anos de pega-e-larga. Como já disse, não sei e nem procuro explicação para tanto apego, além de uma profunda identificação com o autor que não se repete com o filho de mesmo sobrenome. Gosto de pensar que este seria um escritor de quem eu seria amiga e que lamento muito não ter tido a oportunidade de conhecer pessoalmente. Se é que existe vida após a morte, Érico Veríssimo seria disparado o meu escolhido para bater papo e falar sobre livros.

A mesma foto que ilustra este post está em um porta retratos no meu aparador que abriga os livros sobre livros que tenho em casa.