Minha primeira biblioteca ficava
a cerca de dois quarteirões da casa aonde morava e tinha – em prateleiras baixas
para melhor acesso – o que me parecia ser um verdadeiro mundo de
livros e, antes mesmo de saber de existência de Jorge Luis Borges, já a identificava
como um paraíso. Ali li e reli, encantada, boa parte das obras infantis que
povoaram a minha infância, em uma época em que ganhar livros era coisa para
aniversário e Natal, e olhe lá. A prova do meu amor pelos livros ficou clara
quando propus à minha mãe trocar os chocolates da Páscoa por novas opções de
leitura. Sabiamente minha mãe não aceitou o negócio, mas passou a incluir
livros nas cestas de Páscoa da minha meninice.
Muito mais tarde, já às vésperas
da faculdade e morando em outro endereço na mesma cidade, localizei e passei a frequentar,
dessa vez para retirar os livros e ler em casa, a Biblioteca Érico Veríssimo,
convenientemente instalada na casa dos avós desse que ainda hoje é um dos meus
escritores favoritos, um sobrado antigo e mais ou menos restaurado, na época
cercado de jardins. Não sei como está hoje, nunca mais voltei lá. Naquele ano,
esperei cerca de seis meses para direcionar a minha bússola para Porto Alegre,
onde morei alguns anos. Já com o segundo grau concluído, espantei o tédio aproveitando aqueles
seis meses para atacar e devorar as modestas três estantes. Vem dali a minha
relativa intimidade com os clássicos franceses, ingleses, russos e alguma coisa
de literatura brasileira. Pouco escapou da minha fúria e hoje vejo que já li
muitíssimo mais rápido do que atualmente. Quem disse que o cérebro não fica
mais lento?
A terceira biblioteca da minha
vida foi a da PUC de Porto Alegre, que já me parecia imensa e, hoje me dizem,
era uma sombra do que é hoje. Em uma época na qual as opções que eu tinha eram
comprar livros ou comer, optei por manter corpo e alma juntos e creio que
durante os anos de faculdade adquiri poucos livros, mas também li quase tudo o
que havia disponível de literatura. Lia no trabalho, no ônibus, durante as
aulas chatas e, muitas vezes, substituí o sono pelos livros. Não associo aqueles
tempos como de grandes dificuldades financeiras como de fato foram, mas como um
período rico em descobertas e de abertura de horizontes cada vez mais largos.
Hoje pouco frequento livrarias.
Os tempos de empréstimos de livros acenderam em mim um sentimento de posse gigante, tanto que não gosto de tomar livro emprestado. Quero tê-los
debaixo do meu teto, à minha disposição o tempo todo, mas continuo associando a
ideia de paraíso a uma grande biblioteca, local mágico onde, durante tantos
anos fui, durante horas inteiras, profundamente feliz.